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O Museu

O MIAA é a casa das memórias, mas também dos olhares sobre o futuro
Luiz Oosterbeek

O MIAA - Museu Ibérico de Arqueologia e Arte está instalado no Convento de S. Domingos, edificado no século XVI, peça central do património edificado da cidade de Abrantes. Os acervos municipais de arqueologia e arte do Município de Abrantes e da Coleção Estrada, bem como a obra da pintora Maria Lucília Moita, aguardavam um lugar digno para se tornarem de fruição pública. Para a concretização desse bom encontro, o edifício foi reabilitado para funções museológicas, através de um projeto do arquiteto Carrilho da Graça. O MIAA ocupa parte significativa do antigo convento, que já albergava a Biblioteca Municipal António Botto, numa ala requalificada em 1993, com projeto do Arquiteto Duarte Castel-Branco.

As exposições permanentes, com projeto de museologia de Luiz Oosterbeek e Fernando António Batista Pereira, concebido em estreita parceria com o Serviço de Património e Museus do Município, estão organizadas em oito núcleos: Escultura Romana; Pré-História; Idades do Bronze e do Ferro; Antiguidade; Tesouro; Arte da Idade Média e Idade Moderna; Escultura da Idade Média e do Renascimento em Abrantes; Pintura de Maria Lucília Moita. A museografia e o design de comunicação são obra da P-06.

A deslocação pelas salas com exposições permanentes permite revisitar múltiplas culturas e civilizações, através do contacto com artefactos e obras de arte da Pré-História à Época Contemporânea. O arco temporal coberto pelos acervos expostos no MIAA, resultantes desde a ação dos primeiros hominídeos até ao presente, faz deste um espaço expositivo único a nível nacional.

No MIAA conta-se muito do que foi a história da ocupação humana na região. Os acervos regionais encontram-se expostos num diálogo constante com peças provenientes de contextos mais abrangentes, que cobrem a Europa, a bacia do Mediterrâneo e diversas civilizações antigas do continente asiático. Reconstituem-se, deste modo, contextos históricos que permitem ao visitante uma melhor compreensão do passado.

O cruzamento do discurso da arqueologia e património histórico com a arte contemporânea assume-se como porta que liga o passado com o presente e que abre caminhos para o futuro. Em duas salas do MIAA são exibidas, consecutivamente, exposições temporárias com obras da Coleção de Arte Contemporânea Figueiredo Ribeiro, que se encontra à guarda do Município de Abrantes.

As restantes salas de exposições temporárias destinam-se a acolher exposições diversas com peças/obras relevantes.

Traduzindo o espírito do lugar, no claustro conta-se a história do Convento de S. Domingos, bem como a história de Abrantes. Bem-vindos ao Museu Ibérico de Arqueologia e Arte!

Os prémios

Museu do Ano 2023 - APOM
No dia 26 de maio de 2023, a Associação Portuguesa de Museologia (APOM) anunciou e entregou ao Museu Ibérico de Arqueologia e Arte de Abrantes o prestigiado galardão Museu do Ano. A APOM justificou a escolha "pela junção entre o património cultural arqueológico e a requalificação de um edifício histórico, tornando-o um projeto de grande qualidade na área da recuperação territorial, que muito dignifica o país".

Nuno Teotónio Pereira
O projeto de requalificação do Convento de S. Domingos, para instalação do Museu Ibérico de Arqueologia e Arte, foi distinguido, no dia 30 de janeiro de 2023, com o Prémio Nuno Teotónio Pereira 2022, na vertente de Reabilitação Urbana de Edifício de Equipamento, do IHRU – Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana. O projeto de requalificação do Convento é da autoria do arquiteto Carrilho da Graça, foi promovido pelo Município de Abrantes e executado pela empresa Teixeira, Pinto & Soares, S.A.

Coleção Municipal

Recolhida desde os anos vinte do século XX, apresenta, entre outros acervos de interesse, uma evolução da escultura portuguesa do século XV ao século XVIII, assente em peças oriundas das seculares igrejas e conventos extintos de Abrantes, com especial relevância para um importante núcleo de escultura sacra em pedra, madeira e terracota, cuja representatividade vai desde o final da Idade Média ao Barroco.

A coleção exposta integra parte do interessante espólio de arqueologia da Coleção Municipal de Arqueologia, proveniente de sítios arqueológicos da área do concelho de Abrantes. Estas peças são oriundas, maioritariamente, de escavação, prospeção ou acompanhamento de obra, constituindo um fundo de potencial interesse para a investigação, tendo em conta os seus contextos bem documentados. Esse manancial de informação foi registado na “Carta Arqueológica de Abrantes”, datada de 2009 e atualmente em atualização.

Existem ainda algumas peças resultantes de achados fortuitos realizados ao longo do tempo e que integravam o espólio à responsabilidade do antigo Museu D. Lopo de Almeida.

Foi sobretudo a partir dos anos 90 do século XX que se iniciaram os trabalhos arqueológicos sistemáticos no concelho de Abrantes, quer através do recém criado Gabinete de Arqueologia, quer através de investigadores que se interessaram pela longa história do território ou recolhidos e estudados por empresas de arqueologia na sequência de obras públicas orientadas por outras entidades.

Coleção Estrada

Os acervos da Coleção Estrada resultam da reunião de peças pelo colecionador João Estrada (1923-2018), através da aquisição a privados ou em leilões. Trata-se de um conjunto alargado de peças que garante a definição de um discurso museográfico que põe em diálogo a história peninsular e do continente europeu com o mundo mediterrânico e com múltiplas civilizações asiáticas.

Nascido em S. Miguel do Rio Torto, concelho de Abrantes, João Estrada desde muito novo desenvolveu interesse pelo colecionismo de peças de arte e antiguidades, que sempre procurou acompanhar com o necessário estudo. Ao longo de mais de 50 anos, reuniu peças de arte, de arqueologia e antiguidades.

Enquanto presidente da Fundação Ernesto Estrada, Filhos assinou, em 2007, um protocolo com a Câmara Municipal de Abrantes, através do qual disponibilizou a sua coleção de arqueologia e arte para que fosse tornada pública por via da criação do Museu Ibérico de Arqueologia e Arte (MIAA). Esse protocolo foi reconfirmado, em 2016, através da celebração de um contrato de comodato entre o Município de Abrantes e a administração da Fundação Estrada. É constituído por cerca de 1500 peças o acervo cedido ao Município, estando atualmente expostas no MIAA perto de metade.

Não se tratando de peças contextualizadas, como acontece em muitas coleções arqueológicas, a estratégia definida desde o início, por acordo entre os parceiros, foi a da realização de um processo de investigação sistemática, constituindo-se uma equipa multidisciplinar de especialistas. Ao longo dos últimos anos, fizeram-se vários estudos das peças, dos quais resultaram vários redimensionamentos do acervo protocolado, bem como a redefinição da museografia e do circuito expositivo.

Como resultado da investigação realizada, iniciaram-se, em 2009, as exposições anuais de antevisão do futuro museu, que tiveram 10 edições, complementadas com a publicação dos respetivos catálogos, que se assumiram como ações promocionais dos acervos das coleções a expor (Estrada, Maria Lucília Moita e Municipal).

Entre 2011 e 2015, realizaram-se, anualmente, as Jornadas Internacionais do MIAA, reunindo em Abrantes investigadores e estudiosos, nacionais e estrangeiros, que trabalharam em áreas relacionadas com os acervos do museu. Dessas jornadas resultou a edição de vários volumes de atas.

Coleção Maria Lucília Moita

Maria Lucília Moita (1928-2011) nasceu em Alcanena, mas tornou-se abrantina de coração, pois fixou-se em Abrantes em 1954, depois de casar. Ao longo de cerca de seis décadas, aqui desenvolveu um itinerário criativo, nas artes plásticas e na literatura.

O seu atelier sempre se abriu a visitas, sobretudo de grupos escolares, que tinham a oportunidade de dialogar com a artista, receber as suas lições e conhecer o seu percurso.

Prima do grande colecionador de arte Anastácio Gonçalves, na sua casa em Lisboa, antigo atelier de José Malhoa, aprende, nas suas próprias palavras, «a ver e entender a pintura com este homem sensível e exigente». Tem as primeiras lições com o mestre naturalista João Reis e forma a sua sensibilidade no ambiente da coleção de Anastácio Gonçalves, face a pintores naturalistas que admira, aí largamente representados, como Silva Porto e Henrique Pousão. A sua obra evolui a par das grandes correntes do século XX, mas sempre na procura de uma linguagem própria. Do naturalismo inicial, às marcas do impressionismo e a um abstracionismo multifacetado, que se expressa em obras que vão da captação da paisagem, da textura, espírito e forma de velhas árvores, às superfícies de muros em ruínas ou à exploração da possibilidade de ver além da superfície, sobretudo na fase duma pintura celular a que Lima de Freitas designou “orgânica”.

Reconhecida pelos grandes críticos, historiadores de arte e intelectuais, Maria Lucília Moita é uma figura maior do paisagismo, da natureza-morta, do desenho a carvão, do retrato, do abstracionismo orgânico, ou do desenho a lápis e pastel a que chamava «poemas a lápis-de-cor».

Publicou quatro livros de poesia, a qual foi simultaneamente expressão e explicação duma “poética da inquietude” que sempre manifestou, quer na poesia, quer na pintura. Está representada no Museu do Chiado, Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian, Casa Museu Dr. Anastácio Gonçalves, Museu José Malhoa, Museu de Setúbal e outros.

Esta doação ao Município de Abrantes é um grande serviço à comunidade e resulta da vontade de manter a integridade do seu percurso e da generosidade de, para sempre, o abrir aos outros.

Curadoria
Fernando António Baptista Pereira

Maria Lucília Moita no ateliê em 2009, fotografia de Miguel Simão

Ateliê Maria Lucília Moita

A obra de Maria Lucília Moita musealizada desde 2021, no MIAA – Museu Ibérico de Arqueologia e Arte de Abrantes, abriu caminho até ao seu ateliê, em janeiro de 2024, pela mão da sua família. A vastidão da sua produção leva-nos ao arquivo do acervo familiar. A sua obra/ pintura “é uma vida”, como ela costumava dizer.

No MIAA, o núcleo de pintura exposto, constituído por um conjunto de pinturas e desenhos representativos das diferentes fases do seu percurso artístico, proveio da intenção da artista em legar, ao Município de Abrantes, parte significativa da sua obra, tendo em vista a possibilidade da sua fruição permanente.

Ao reconhecido valor artístico, cultural e patrimonial da obra pictórica e poética da artista, soma-se o serviço prestado à comunidade, expresso nas visitas que recebia no seu ateliê, sobretudo de grupos escolares, mas também de jovens que procuravam apreciação sobre os trabalhos que realizavam. Gostava de ouvir os mais novos e com eles criava amizade. Os filhos e os netos de Maria Lucília Moita conhecem o significado que para ela tinha essa partilha, a partilha com os outros da sua experiência artística.

Para manter viva a sua memória, e certos de que este seria o seu desejo, abrem as portas do seu ateliê ao público. Na pequena galeria, ao lado do seu ateliê, onde costumava ter obras, as exposições acontecem.

O ateliê reflete a sua pessoa e o seu trabalho. É um espaço íntimo. As cores são as da terra. No cavalete, um desenho com fúria de ser acabado, a lembrar um adeus.

Ateliê
Rua Coronel Luís Jorge de Mena e Silva, n.º 76, 2200-305 Abrantes. GPS: 39.460946, -8.205125

Horário

De segunda a sexta-feira. Para marcação: museusdeabrantes@cm-abrantes.pt




Exposição de desenho

Princípio de agosto de 2011, a última conversa com a Maria Lucília.

Instalada na casa de jantar, o seu novo quarto, para ela criado no rés do chão da casa, tinha a primeira bisneta sentada aos pés da cama e disse-me maravilhada: é a nossa continuação… mistério nos novos seres.

Perguntei-lhe “então e a pintura?” a pintura é uma vida... respondeu. Assim a viveu, alheia ao que dissessem ou pensassem sobre o seu modo de viver, as suas opções, atenta ao seu percurso, palavra essa que lhe ouvi muitas vezes.

Desenho a carvão. Fotografia Edgar Rei

Integrava cada novo quadro no seu percurso, como se construísse um caminho com telas.

Sujava-se pouco… tinha uma bata cinzenta que vestia sobre a roupa… Sempre a conheci e, pendurada, continua a viver no atelier. Sobre as pernas colocava uma saca de serapilheira sobre a qual caíam os raspados que fazia na tinta seca da tela, camadas e camadas de tintas que usava.

A pintura era um desafio que procurava até lhe encontrar um sentido... até a vencer.

Nunca pintou grandes dimensões. Pintava telas pequenas transportáveis para o exterior.

Quando saía para desenhar a carvão as oliveiras e pintar as pedras, os muros, as casas e o mar, levava tudo numa caixa de madeira, tubos de óleo, pincéis duros, espátulas, recipientes de metal com óleo e terebentina. Os objetos, o próprio vestuário, as tintas, tudo durava. Usava, quase sempre, um pequeno lenço ao pescoço — ainda guardo um — discreto na cor e na forma, tal como a Maria Lucília se vestia... cinzas, beges, cores pastel.

A Maria Lucília tinha um lado místico muito acentuado, via o pôr do sol religiosamente, na sua salinha do sótão. A oração acompanhava-a diariamente. Tudo era levado muito a sério. Para ela não havia improvisos…

Tinha um grande compromisso com o evangelho dos talentos, era um compromisso com a vida... não os enterrar.

Tinha um grande desejo de perfeição em cada gesto. Quando desenhava as oliveiras dobradas pelo vento, torcidas como se de um grande sofrimento se tratasse, carregava no carvão vegetal para passar ao riscador o sentido do sofrimento que partilhava com as formas sofridas, que procurava para desenhar.

Desenho a carvão. Fotografia Edgar Rei

A pintura era um encontro com a inquietação que a criação lhe causava… Quando não pintava, escrevia.

O apertado mundo de dentro, título de um dos seus livros de poesia, testemunha esses tempos de desencontro.

Gostava de um escrito do Torga que dizia: “É um duro ofício o de poeta; começa por ser um desejo irreprimível e acaba sendo uma penitência assumida.”

Tomei também o gosto desta frase e refaço-a cada vez que mudo de atelier, é uma partilha da dificuldade e do compromisso a que ninguém nos obriga.

As artes quando são uma vida... não são tarefa fácil. Muitas horas a olhar sem que saia uma linha, uma cor certa, uma palavra que falta, um som que não sai, um movimento que continua sem ser o certo, um pensamento sem continuidade.

Desenho a carvão. Fotografia Edgar Rei

Testemunho aqui a minha vivência muito próxima com a pintora, a sua seriedade e compromisso continuam a fazer parte da minha memória. Partilho convosco um pequeno texto escrito pela pintora (março de 2007) durante os 25 anos de correspondência.

Tu, silêncio, leva-me até ao mar…
Em 25 anos de correspondência falaste-me muitas vezes do mar:
“Este caminhar difícil que é a arte… há dias em que encontro Deus em cada traço, a prolongar-se no infinito. Entrego-me ao vento e deixo seguir a mão confusa de tintas. Há em mim uma luta de equilíbrio, a humildade e a consciência do eterno aprender.

Repito o que senti junto ao Mar de São Pedro de Moel. Era fim de agosto de 1976:
“Esta força, esta verdade, esta pureza em movimento – gesto puro de mar… Foi emoção que te encheu toda, tanto, tanto que te sufocava. São assim os poetas, Catarina… Sofrem sempre. Precisam de sofrer. Bendito o Sol e o mar e as rochas e tudo o que assim faz sofrer os poetas. E os faz louvar. Louvar com a inquietação feita serenidade. É assim a liberdade – a autêntica que é de dentro. Como a das ondas do mar.”


Para a Maria Lucília, da Catarina


Catarina Castel-Branco

Catarina Castel-Branco e Manuel San-Payo: Voltar a casa

07.12.24 - 04.05.25

Uma casa é, antes de tudo, um lugar onde sabemos que podemos entrar: ela aponta para um interior. Não se sabe o que está aí, nesse interior. Não sabemos, também, como voltaremos a sair depois de lá entrar pois, da mesma maneira que contemplamos e transformamos as casas, as casas transformam-nos. O encontro com elas é decisivo. “Quero ver o que pareço no espelho com os olhos fechados”, escreve Novalis, e a casa é o mais próximo que temos desse espelho. Como uma nave ou um arquivo, “As casas são elásticas como a vida / E ganham a extensão de quem lá mora” (1). A noite banha a paisagem para lá da janela, os cães ladram ao longe, a cor de uma jarra de flores refulge e a aparição prodigiosa das coisas surge, uma ideia, um impulso. Como uma testemunha, a casa abre-se para recuperar em pleno o horizonte que os nossos passos perseguem.

Voltar a casa reúne obras recentes em diálogo de Catarina Castel-Branco (Abrantes) e Manuel San-Payo (Lisboa), cúmplices na prática artística e na amizade que partilham há trinta anos, bem como uma obra inédita criada especialmente para esta exposição e assinada pelos dois artistas. Um diálogo expandido que começou quando, depois de se conhecerem nas aulas de Gravura, na Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa, voltam a encontrar-se enquanto vizinhos no Campo de Santana, em Lisboa. Com um percurso de mais de quarenta anos de carreira, a obra de Catarina Castel-Branco revela um louvor ascético da beleza e uma reflexão incessante sobre o habitar. No seu caminho entre Abrantes, Amsterdão e Lisboa, a pintura, o desenho e a gravura abrem-se à constante experimentação de suportes e materiais, e o trabalho que realiza no ateliê acaba por revelar um olhar contemplativo, de algum modo tão solitário e melancólico como celebratório. Com uma forte componente gráfica, a obra de Manuel San-Payo é fruto de uma observação disciplinada do quotidiano, obsessiva e profundamente ancorada na prática. Familiares, os lugares, objetos e figuras que compõem esse quotidiano podem, porém, assumir subitamente uma conflagração de significados e, abstrata ou figurativa, de forma inevitável a sua pintura acaba por evidenciar o potencial de interrogar a existência.

Nas fachadas das casas que Catarina e Manuel trazem às salas do Museu Ibérico de Arqueologia e Arte, vemos a noite e o dia, sombras, texturas sulcadas pelo tempo e pelos elementos, e objetos reveladores de um habitar contemporâneo, como cadeiras, estendais, arame farpado ou ares condicionados. Mas se os objetos lá estão, a presença humana está reclusa ou desapareceu num horizonte de sobreposição de paredes, um labirinto de repetições irregular, anguloso e poroso onde a poesia — afinal — assoma. É esse horizonte a nossa casa.

(1) Mendo Castro Henriques, Voltar a casa (2024), poema que dá título à exposição.

Marta Rema


Artistas
Catarina Castel-Branco, Manuel San-Payo

Curadoria
Marta Rema

Alexandre Baptista: Absence, the highest form of Presence

06.07.24 - 05.01.25

Através de uma sofisticada relação com a memória, com os seus processos de constituição e ativação e com a matéria visual consagrada aos arquivos – definidora, em grande medida, da nossa memória e história coletivas – Alexandre Baptista tem vindo a desenvolver uma prática multidisciplinar no campo expandido da pintura ou, mais concretamente, da imagem pictórica.

Manifestando interesse por uma tipologia de imagens oriundas de arquivos de domínio público, tem concebido séries de trabalhos de grande síntese formal que seduzem pela sua ambiguidade interpretativa. O recurso a imagens que reproduzem espaços ou lugares aparentemente vazios, de uma enorme banalidade; a convocação de corpos e rostos sem identidade; a repetição enigmática de certos objetos ou elementos arquitetónicos; o recurso a uma ideia de invisibilidade ou de não-acontecimento; ou o apelo à fragmentação do olhar, que se desloca como que num travelling cinematográfico, são alguns dos mecanismos utilizados por Alexandre Baptista na construção das suas séries de pinturas.

A exposição Absence, the highest form of Presence reúne três diferentes séries de trabalhos desenvolvidos pelo artista nos últimos seis anos, a par de uma obra inédita especialmente concebida para o contexto desta apresentação, e procura chamar também a atenção para uma certa obscuridade ou opacidade na leitura das imagens, para o que está (ou pode estar) para lá dos enquadramentos e dos limites das imagens, para o que parece estar em falta e para o quanto estes aspetos podem alimentar, no observador, o campo especulativo da interpretação.

O título da exposição cita diretamente uma das afirmações de James Joyce acerca da relação com a perda, com a ausência e, em última instância, com a morte, permitindo aproximar a exposição desse lugar onde a manifestação da ausência é simultaneamente tão desconfortável e tão estranhamente familiar.

Ana Anacleto


Artista
Alexandre Baptista

Curadoria
Ana Anacleto

Tiago Rocha Costa: Silenciosa, Paciente e Voraz

06.07.24 - 05.01.25

A exposição Silenciosa, Paciente e Voraz, de Tiago Rocha Costa, abre passagem à curiosidade inata em todos nós. O conjunto de objetos enigmáticos que a compõe dirige-se ao nosso insaciável apetite pela descoberta, pelo fascínio, pela procura de conhecimento e pela expansão das fronteiras do nosso mundo.

O imaginário que aqui se enceta é aquele dos exploradores intrépidos, das expedições a terras distantes, da recolha dos espécimes, da catalogação das espécies e dos gabinetes de curiosidades. Trata-se, pois, de um universo marcado pelo enamoramento da morfologia e pela determinação de diferentes formas orgânicas e inorgânicas — da zoologia, da botânica, da mineralogia e suas respetivas hibridizações, bem como o inesperado cruzamento destas com o legado dos artefactos humanos. Reinventando alguns dos procedimentos da ciência e da história natural — como o apropriar, o conter, o dissecar, o compreender, o inventariar e o sintetizar — o artista concretiza um conjunto de diversas ficções sobre a matéria. Por estas ficções preconizadas pelos gestos do desmontar, organizar, recompor e ressignificar numa prática maioritariamente desenvolvida na tridimensionalidade, Tiago Rocha Costa transporta-nos a lugares geográficos e temporais incertos, aparentemente desconexos, alinhados segundo o manifesto interesse por um outro inteiramente diferente.

O gosto pelo exotismo que daqui ressalta informa-nos sobre um tempo perdido, marcado pela ausência e pelo apagamento das antigas revelações e esplendores, versando, ainda, um comentário mordaz acerca da nossa agência sobre a natureza. Assim nos falam os recortes das aves tropicais, tal como os viveiros, ninhos, cascas ou casulos, abandonados por espécies não identificáveis, e, ainda, os livros e as bibliotecas cristalizadas — como se um manto de âmbar, de areia e de pó, na sua desconcertante quietude, se fizesse estendido sobre uma outrora animada coletânea de sumptuosidades. Esta doce melancolia é, pois, aquela que encontramos na estética da ruína e do romantismo. Uma estética que aqui se faz (como se fez entre os finais do século XVIII e inícios do século XIX), entre a pureza e a corrupção, entre o “exuberante sentido da vida” (1) e a morte, na procura pela “descoberta do método da natureza em si mesma”(2), agora trazida à negociação entre a racionalidade latente ao conhecimento científico e o encantamento pela fragilidade e decadência dos seus sistemas.

As obras de Tiago Rocha Costa aludem ao devir, ao eterno fluxo da natureza e à transitoriedade de todas as coisas. Falam-nos também da luta que desenvolvemos desde os nossos primórdios com o meio e das sucessivas transformações que operámos e continuamos a operar sobre a natureza com a técnica e as tecnologias. As suas menções à circunscrição, encenação e fabricação do natural levam-nos à consideração sobre a desfuncionalização da natureza, bem como do fim da sua ideia enquanto território separado e selvagem, como um mundo além da humanidade para o qual ela se adaptou. Entramos no domínio da nivelação entre o natural e o artificial, entre o selvagem e o doméstico, no qual as leis gerais da natureza parecem coadunar-se à vontade humana. No entanto, por detrás dos olhos da humanidade, a leitura que no conjunto do trabalho do artista nos é sugerida afigura-se radicada no lugar do vencido — à escala planetária, ninguém está isento das consequências da desregrada agência e do ímpeto poderoso, sem desvio nem individualidade, da vontade na natureza. O recalibrar das suas forças traduz-se num combate sem tréguas em várias escalas, do macro ao micro, no fora e no dentro, uma força maior corrói, degrada, cristaliza, transforma e propaga. No conflito eterno e recíproco dos seus fenómenos, a natureza refaz e reconquista o seu lugar, de modo silencioso, paciente, mas voraz.

(1)Berlin, Isaiah (1999), The Roots of Romanticism, Princeton University Press, p. 17. (2) Ibid., p. 27.

Andreia César


Artista
Tiago Rocha Costa

Curadoria
Andreia César

Convento de São Domingos

Imóvel do século XVI que, para além da ocupação religiosa, desempenhou funções militares (quartel e hospital militar), de ensino e assume-se como espaço marcante de dinamização cultural.

Fundado originalmente noutro local, cerca do ano de 1450, o Convento de São Domingos foi transferido duas vezes até ao início do século XVI, por motivos de insalubridade dos terrenos onde estava implantado. Em 1509, o prior do convento, Frei João de São Vicente, obteve autorização para dar início à edificação de um terceiro complexo conventual na zona alta da vila, ficando este concluído em 1517.

Em 1534, D. Fernando, Infante de Portugal e Senhor de Abrantes, filho do rei D. Manuel I, nascido em Abrantes em 1507, protetor de Francisco de Holanda, foi sepultado na capela-mor do Convento de São Domingos. No mesmo ano, foram sepultados no convento três outros elementos da família real, dois filhos do Infante D. Fernando e a esposa, Infanta D. Guiomar Coutinho.

Em 1798 uma parte do complexo conventual foi cedida para aquartelar as legiões do Marquês de Alorna. Em 1801, acolheu o Regimento do Conde de Lippe, no âmbito da Guerra das Laranjas, prelúdio da Guerra Peninsular. No ano de 1810, no decurso das Invasões Francesas, uma parte do convento foi transformada em hospital militar. Alguns anos mais tarde, em 1834, com a extinção das ordens religiosas, os frades dominicanos começaram a abandonar o espaço.

O século XX ficou ainda marcado pela ocupação militar do edifício. Em 1916, daqui foram mobilizadas tropas do 2.º Batalhão do Regimento de Infantaria 22 para integrarem o Corpo Expedicionário Português, que partiu para a I Guerra Mundial no início de 1917. O Regimento de Infantaria 2 instalou-se no antigo convento em 1918, tendo aqui permanecido até ser transferido para Vale de Roubam, ainda que tenha continuado a ocupar as instalações por mais alguns anos.

Daqui em diante, o edifício teve essencialmente funções educativas e culturais. Em 1968, estabeleceu-se aqui o Ciclo Preparatório de Abrantes, aquando da sua inauguração. Em 1970/71, desenvolveram-se no edifício múltiplos eventos no âmbito das duas edições das Jornadas Culturais. Ainda em 1971, esteve patente no antigo convento a exposição sobre pintura portuguesa do século XVI intitulada “Mestres de Abrantes e Sardoal”, inaugurada pelo Presidente da República Américo Tomás. Em 1983, instalaram-se no edifício a Biblioteca Fixa n.º 134, da Fundação Calouste Gulbenkian, e o Arquivo Histórico Municipal. Dez anos depois, em 1993, abriu a Biblioteca Municipal António Botto, projeto do arquiteto Duarte Castel-Branco. No ano de 1995, a Palha de Abrantes – Associação de Desenvolvimento Cultural foi constituída no antigo convento e aqui teve as suas primeiras instalações. O edifício acolheu ainda o Jardim de Infância de S. João Baptista, a Universidade Internacional e algumas salas e laboratórios da ESTA – Escola Superior de Tecnologia de Abrantes.

As escavações arqueológicas que decorreram no decurso da requalificação que visava a instalação do MIAA, projeto do arquiteto Carrilho da Graça, puseram a descoberto vários vãos, vestígios das estruturas mais antigas do primitivo convento. Também se encontrou grande parte da necrópole e áreas de armazenamento de alimentos, com um silo e uma talha, posteriormente utilizada como ossário, tudo do século XVI.

O MIAA – Museu Ibérico de Arqueologia e Arte de Abrantes foi inaugurado a 8 de dezembro de 2021, ocupando parte significativa do antigo Convento de S. Domingos.


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E museusdeabrantes@cm-abrantes.pt

Horário de Funcionamento

Terça-feira a domingo das 10:00 - 12:30 e 14:00 - 17:30. Encerra à segunda-feira e feriados (exceto 14 de junho). Última entrada 30 minutos antes do encerramento.

Visitas Orientadas e Serviços Educativos.(marcação prévia com antecedência mínima de 15 dias para museusdeabrantes@cm-abrantes.pt)

Preçário

Morada

Jardim da República, 25, 2200-343 Abrantes.
Coordenadas GPS: 39º27’38.6’’N / 8º11’50.7’’W

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