06.07.24 - 26.01.25
A exposição Silenciosa, Paciente e Voraz, de Tiago Rocha Costa, abre passagem à curiosidade inata em todos nós. O conjunto de objetos enigmáticos que a compõe dirige-se ao nosso insaciável apetite pela descoberta, pelo fascínio, pela procura de conhecimento e pela expansão das fronteiras do nosso mundo.
O imaginário que aqui se enceta é aquele dos exploradores intrépidos, das expedições a terras distantes, da recolha dos espécimes, da catalogação das espécies e dos gabinetes de curiosidades. Trata-se, pois, de um universo marcado pelo enamoramento da morfologia e pela determinação de diferentes formas orgânicas e inorgânicas — da zoologia, da botânica, da mineralogia e suas respetivas hibridizações, bem como o inesperado cruzamento destas com o legado dos artefactos humanos. Reinventando alguns dos procedimentos da ciência e da história natural — como o apropriar, o conter, o dissecar, o compreender, o inventariar e o sintetizar — o artista concretiza um conjunto de diversas ficções sobre a matéria. Por estas ficções preconizadas pelos gestos do desmontar, organizar, recompor e ressignificar numa prática maioritariamente desenvolvida na tridimensionalidade, Tiago Rocha Costa transporta-nos a lugares geográficos e temporais incertos, aparentemente desconexos, alinhados segundo o manifesto interesse por um outro inteiramente diferente.
O gosto pelo exotismo que daqui ressalta informa-nos sobre um tempo perdido, marcado pela ausência e pelo apagamento das antigas revelações e esplendores, versando, ainda, um comentário mordaz acerca da nossa agência sobre a natureza. Assim nos falam os recortes das aves tropicais, tal como os viveiros, ninhos, cascas ou casulos, abandonados por espécies não identificáveis, e, ainda, os livros e as bibliotecas cristalizadas — como se um manto de âmbar, de areia e de pó, na sua desconcertante quietude, se fizesse estendido sobre uma outrora animada coletânea de sumptuosidades. Esta doce melancolia é, pois, aquela que encontramos na estética da ruína e do romantismo. Uma estética que aqui se faz (como se fez entre os finais do século XVIII e inícios do século XIX), entre a pureza e a corrupção, entre o “exuberante sentido da vida” (1) e a morte, na procura pela “descoberta do método da natureza em si mesma”(2), agora trazida à negociação entre a racionalidade latente ao conhecimento científico e o encantamento pela fragilidade e decadência dos seus sistemas.
As obras de Tiago Rocha Costa aludem ao devir, ao eterno fluxo da natureza e à transitoriedade de todas as coisas. Falam-nos também da luta que desenvolvemos desde os nossos primórdios com o meio e das sucessivas transformações que operámos e continuamos a operar sobre a natureza com a técnica e as tecnologias. As suas menções à circunscrição, encenação e fabricação do natural levam-nos à consideração sobre a desfuncionalização da natureza, bem como do fim da sua ideia enquanto território separado e selvagem, como um mundo além da humanidade para o qual ela se adaptou. Entramos no domínio da nivelação entre o natural e o artificial, entre o selvagem e o doméstico, no qual as leis gerais da natureza parecem coadunar-se à vontade humana. No entanto, por detrás dos olhos da humanidade, a leitura que no conjunto do trabalho do artista nos é sugerida afigura-se radicada no lugar do vencido — à escala planetária, ninguém está isento das consequências da desregrada agência e do ímpeto poderoso, sem desvio nem individualidade, da vontade na natureza. O recalibrar das suas forças traduz-se num combate sem tréguas em várias escalas, do macro ao micro, no fora e no dentro, uma força maior corrói, degrada, cristaliza, transforma e propaga. No conflito eterno e recíproco dos seus fenómenos, a natureza refaz e reconquista o seu lugar, de modo silencioso, paciente, mas voraz.
(1)Berlin, Isaiah (1999), The Roots of Romanticism, Princeton University Press, p. 17. (2) Ibid., p. 27.
Andreia César
Artista
Tiago Rocha Costa
Curadoria
Andreia César
Exposições realizadas no MIAA - Museu Ibérico de Arqueologia e Arte:
2021
2022
2023
2024
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Terça-feira a domingo das 10:00 - 12:30 e 14:00 - 17:30. Encerra à segunda-feira e feriados (exceto 14 de junho). Última entrada 30 minutos antes do encerramento.
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