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Últimas obras (2011-2022)

28.10.23 a 30.03.24

Gil Teixeira Lopes, desaparecido em finais de 2022, aos 86 anos, foi um Professor Catedrático de Pintura na ESBAL, Escola Superior de Belas Artes de Lisboa — hoje Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa — que marcou, através do seu magistério exigente, várias gerações de artistas formados nessa escola. Foi, também e sobretudo, uma figura central da pintura portuguesa, destacando-se na geração que se revelou e afirmou durante a década de 1960, tendo-lhe sido atribuídos, desde então, vários prémios e distinções nacionais e internacionais. O seu excecional e inovador trabalho como gravador foi internacionalmente reconhecido e premiado ao longo de décadas, de 1970 ao início do século XXI. Menos conhecidas, embora tenham sido apresentadas em numerosas exposições, são as suas esculturas, que acompanham as dimensões figurativas da sua pintura e gravura.

Partilhou, durante cinquenta anos, o atelier e o próprio ensino da pintura e da gravura na ESBAL com a pintora Matilde Marçal, com quem expôs recorrentemente nas últimas décadas. Nesta primeira exposição após o seu falecimento, decidimos apresentar uma escolha dos dez últimos anos da sua produção pictórica, principalmente grandes e médios formatos, a que se acrescentam algumas esculturas, num diálogo, uma vez mais, com a pintura de Matilde Marçal, presente em duas outras salas.

A obra pictórica de Gil Teixeira Lopes, ao longo dos seus mais de sessenta anos de atividade criativa, é marcada por uma forte dimensão espacial em que cor e desenho e até mesmo a geometria se harmonizam. Desde sempre a sua pintura integrou expressões figurais predominantemente, mas não exclusivamente, baseadas na imagem do corpo feminino, quer em dimensões sensuais e eróticas, quer em visualizações dramáticas coletivas que expressam dor e até terror. O espaço compositivo é dominado por grandes planos de um monumental e vibrante cromatismo, inicialmente por vezes matérico, que, a partir de certo momento, passou a ser dominado por tonalidades quase lisas de vermelho, mas também por outras tonalidades, como o negro ou o azul, cores que por vezes se tornam dominantes.

Ao longo do século XXI, os elementos figurais tendem a diminuir a sua presença, anteriormente de carácter quase sempre axial, pela multiplicação e quase dissolução no magma cromático, assim como, noutras composições decididamente abstratas, o trabalho da cor se liberta de constrangimentos anteriores e se solta numa reinvenção do gestualismo, em que as diferentes e às vezes insuspeitadas tonalidades, a mancha, as pinceladas, as velaturas, o desenho, os escorrimentos e os drippings dialogam entre si, numa liberdade de fatura de quem, no termo de um percurso brilhante, mas também doloroso e, por vezes, torturado, no constante fazer e refazer das obras, está fenomenologicamente diante e dentro da pintura.

A seleção de obras para esta exposição antológica privilegiou uma certa diversidade de muito grandes, grandes e médios formatos e, sobretudo, documenta as mudanças sensíveis na abordagem compositiva que assinalámos, mostrando a lenta, mas segura, construção da linguagem final de Gil Teixeira Lopes, ao longo do século XXI, em que o mestre desbravou, uma vez mais, novos caminhos para a pintura, reinventando, numa lógica de metapintura, a possibilidade de uma nova abstração gestual para o nosso tempo, tão eficaz, afinal, na criação de estados emotivos sobre o mundo contemporâneo quanto outras poéticas da contemporaneidade, baseadas quase exclusivamente numa importação conceptual do real e da realidade.

A presença das esculturas, expostas no exterior da sala, no corredor do claustro, e marcadas pela ostensiva fragmentação da representação da figura humana, evoca uma presença figural que, mesmo em algumas obras dessa fase final, nunca desapareceria do elenco dos recursos expressivos do autor. E isto porque Gil Teixeira Lopes nunca abdicou de fazer “falar” a sua pintura no contexto das complexas realidades dramáticas do mundo contemporâneo e, para tal, a figura ou as figuras segmentadas ou multiplicadas em esgares de dor e de terror pareceram-lhe quase sempre indispensáveis, agora já sem a dimensão dominantemente erótica anterior, mas com essa multiplicidade dramática ou até em fragmentação ou dissolução.

A organização do percurso expositivo, seguindo o movimento dos ponteiros do relógio para quem entra na sala, favorece uma certa sequência cronológica, respeitando igualmente certos núcleos mais temáticos. Partimos das Tábuas para a Liberdade, que nos evocam, como numa grande síntese, toda a obra anterior de Gil Teixeira Lopes, para chegar ao exaltante Para um Inferno (estudos), que o mestre fez e refez ao longo dos seus últimos anos e que concebeu deliberadamente inspirado no famoso e intrigante Inferno quinhentista português hoje no Museu das Janelas Verdes, em Lisboa (quanto a nós, uma predela de um gigantesco e desaparecido Juízo Final de Jorge Afonso, para a Charola de Tomar). Pelo meio, encontramos vários grandes formatos, incluindo dois tondi de dois metros de diâmetro cada, mostrando a predileção do pintor por espacialidades compositivas e gestuais que se resolvem nas grandes escalas, desenrolando-se, nos intervalos das janelas que nos projetam para a paisagem abrantina do Tejo, as “paisagens da pintura” com que Gil Teixeira Lopes reinventou um caminho novo para a abstração neste primeiro quartel do século XXI. Especialmente nessas obras, mas de um modo geral em todas as que selecionámos e apresentamos na sala, o mestre evidencia um completo à-vontade nas escolhas cromáticas e ostensivamente matéricas, como se finalmente se achasse liberto de escolhas anteriores, marcadas por constrangimentos figurativos e de execução que adquirira há décadas e com que, agora, dialoga, com a total liberdade de quem já está no akmé da sua sabedoria pictórica (técnica) e pictural (ontológica).

Não se pense que esse verdadeiro e quase místico cume da montanha foi atingido sem dúvidas e interrogações, sem experimentações variadas, em muitos casos fruto de reflexões muito próprias sobre a própria história da pintura, e, finalmente, sem a dolorosa experiência do fazer e refazer das obras, muito acentuada nos últimos anos. Também não se fez sem olhar, uma vez mais, para o que se passava à sua volta, no mundo, mas também no atelier que partilhou com Matilde Marçal durante cinquenta anos, ao reconhecer no trabalho da pintora, noutras escalas e formatos, noutras temáticas que nunca o motivaram, novos caminhos no tratamento da cor e da matéria que seguramente o sugestionaram e impulsionaram a abrir a possibilidade de uma nova abstração gestual para o século XXI.

Fernando António Baptista Pereira

Artistas
Gil Teixeira Lopes

Curadoria
Fernando António Baptista Pereira

Catálogo
Disponível apenas em versão digital

Arquivo de exposições

Exposições realizadas no MIAA - Museu Ibérico de Arqueologia e Arte:

2021

  • - Objetos Específicos – Parte 1 - Coleção Figueiredo Ribeiro - Curadoria: Ana Anacleto e João Silvério - 08.12.21 a 28.08.22
  • - Memórias Futuras - Coleção de Arte Contemporânea do Estado - Curadoria: David Santos, Manuel João Vieira, Sandra Vieira Jürgens, Sara & André e Comissão de Aquisição de Arte Contemporânea do Estado 2019/20 - 08.12.21 a 03.04.22

2022

  • - Contra-Parede - Ana Vidigal, Nuno Nunes-Ferreira e Pedro Gomes - Curadoria: Hugo Dinis - 23.04.22 a 25.09.22
  • - Da Vinci Simulacrum - Margarida Sardinha - Curadoria: Hugo Dinis - 23.04.22 a 25.09.22
  • - O que fazer? - Martim Brion - Curadoria: João Silvério - 17.09.22 a 12.02.23
  • - Dois Cafés - Luís Paulo Costa - Curadoria: Sara Antónia Matos - 17.09.22 a 12.02.23
  • - Rio - Mestre José Pimenta - Curadoria: Sara & André - 08.10.22 a 26.02.23
  • - As minhas arqueologias - Heitor Figueiredo - Curadoria: Hugo Dinis - 08.10.22 a 26.02.23

2023


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